Escola sem Partido: ameaça à educação crítica, plural e democrática
André Luiz Brito Nascimento*
Escola sem Partido: ameaça à educação crítica, plural e democrática
O movimento Escola sem Partido, embora criado em 2004, apenas mais recentemente ganhou visibilidade na mídia e nas redes sociais, ao apresentar projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional e em diversas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, visando, segundo seus autores, ao combate à contaminação político-ideológica presente nas escolas brasileiras.
Sob a alegação de que estaria ocorrendo, de forma sistemática e abusiva, por parte de professores e autores de materiais didáticos, doutrinação político-ideológica em sala de aula, o programa Escola sem Partido propõe a adoção de medidas legais que assegurem a neutralidade política, ideológica e religiosa no ambiente escolar.
Conforme seus representantes, tal iniciativa objetiva garantir a liberdade de consciência e de crença do estudante, que estaria sendo usurpada por professores inescrupulosos, uma vez que, valendo-se do poder que exercem em sala de aula, estariam praticando doutrinação ideológica, com vistas a cooptá-lo para determinadas vinculações político-partidárias.
Para tanto, propugnam um conjunto de deveres a serem cumpridos pelo professor em sala de aula, dentre os quais destacam-se a proibição de realizar propaganda político-partidária, o incitamento à participação em manifestações, atos públicos e passeatas e o respeito ao direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
Trata-se de um projeto que visa destituir a escola de seu caráter educacional, desqualificando o professor no seu exercício profissional, já que este é reduzido à condição de instrutor, isto é, um agente limitado a ministrar conteúdos que ensejem o domínio de conhecimentos e habilidades.
Por outro lado, atribui-se à família a primazia de promover a educação de seus filhos conforme suas convicções morais e religiosas, evocando-se, para tanto, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Tal perspectiva fere o princípio da laicidade do ensino, a autonomia pedagógica da escola, a liberdade de cátedra e o direito do estudante de ter acesso a diferentes concepções e pontos de vista acerca de conhecimentos de diversas áreas, cuja base é científica, revelando intolerância ao pluralismo de ideias, ao reconhecimento de heterogeneidades, ao respeito às diferenças, entre outras, negando a possibilidade de formação escolar crítica, autônoma e cidadã.
É na esfera pública da escola, mediante interações entre indivíduos que não possuem entre si laços de consanguinidade, que se forjam processos de socialização mais amplos, marcados pela abertura a diferentes visões de mundo, distintas, portanto, de concepções morais particulares características da esfera privada da família.
É importante salientar que a legislação brasileira, a exemplo da Constituição Federal, da LDB e do PNE, assegura o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para a cidadania, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, a liberdade de ensinar e a liberdade de aprender, o respeito aos direitos humanos e à diversidade, entre outros princípios.
Portanto, o programa Escola sem Partido, expressa uma visão de educação retrógrada, autoritária e discriminatória, ao cercear o trabalho docente nas escolas brasileiras, privando-o de sua autonomia pedagógica e de sua liberdade de expressão.
Ademais, conforme manifestação do Ministério Público Federal, este projeto é flagrantemente inconstitucional, configurando violenta ameaça à educação laica, crítica, plural e democrática, ao impor censura ao exercício da docência, atentando contra a liberdade de cátedra e criminalizando os professores, razão pela qual precisa ser veementemente combatido.
*Professor do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana. Doutor em Educação (UFBA).
Referências
BRASIL. Ministério Público Federal. Nota Técnica 01/2016 PFDC. Brasília, DF: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 2016. Disponível em: https://contraoescolasempartidoblog.files.wordpress.com. Acesso em: 05 ago. 2016.
FRIGOTTO, Gaudêncio. “Escola sem partido”: imposição da mordaça aos educadores. Disponível em: <https://www.fe.unicamp.br>. Acesso em: 07 ago. 2016.
SENADO FEDERAL. Projeto de lei nº 193, de 2016. Inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o “Programa Escola sem Partido”. Disponível em: <www12.senado.leg.br>. Acesso em: 22 jul. 2016.